terça-feira, 26 de junho de 2007

LAWRENCE FERLINGHETTI

.
MANIFESTO POPULISTA

Poetas, saiam de seus aposentos,
Abram suas janelas, abram suas portas,
Vocês já ficaram muito tempo no fundo
de seus mundos fechados.
Venham, desçam daí, do alto
de suas Russians Hills e Telegraph Hills,
Beacon Hills e Chapel Hills,
Monte Analogues e Monteparnassses,
desçam de suas montanhas e contrafortes,
fora de suas cúpulas e domínios.
As árvores continuam a tombar
e nós não voltaremos às florestas.
Não há tempo mais de se embrenhar nelas
quando o homem queima sua própria casa
para assar um porco
Chega de cantar Hare Khrishna
enquanto Roma queima.
San Francisco está ardendo,
e Moscou de Maiakovski está queimando
os combustíveis fósseis milenares.
A Noite & o Cavalo aproximam-se
devorando luz, calor & poder,
e as nuvens vestem calças.
Não há tempo para o artista se esconder
acima, além, e atrás dos cenários,
indiferente, aparando suas unhas,
refinando-se sozinho sobre o seu próprio existir.
Não há tempo para os nossos joguinhos literários,
não há tempo para nossas paranóias & hipocondrias,
não há tempo para medo e náusea,
há tempo somente para luz & amor.
Nós vimos as melhores mentes de nossa geração
destruídas pelo tédio dos recitais poéticos.
A poesia não é uma sociedade secreta,
muito menos um templo.
Palavras secretas & cânticos não servem mais.
A hora dos mantras já passou,
o tempo agora é de entusiasmo,
um tempo para entusiasmo e alegria
sobre o advento final
da civilização industrial
que é péssima para a Terra e para o homem.
É hora enfrentar a rua
na plena posição de lótus
de olhos bem abertos,
É hora falar alto
proferir um novo e claro discurso,
É hora de comunicar-se com todos os seres sensíveis,
Todos vocês, ‘Poetas das Cidades’
Expostos em museus, incluindo a mim mesmo,
Todos vocês, poetas de poetas escrevendo poesia
sobre poesia,
Todos vocês, poetas de panelas literárias
dos confins do coração da América
Todos vocês, domesticados Ezra Pounds
Todos vocês, alucinados, estranhos e incomuns poetas,
Todos vocês, poetas do concreto-armado,
Todos vocês poetas lambe-cus,
Todos vocês poetas de banheiros públicos, gemendo graffiti,
Todos vocês, viajantes de trens classe A, que nunca gingam
fora do balanço,
Todos vocês, mestres do haikai de serraria nas Sibérias da América,
Todos vocês, fantasiosos sem visão,
Todos vocês, surrealistas ocultos,
Todos vocês, visionários de alcova e agito-propagandistas
de gabinete,
Todos vocês, poetas Groucho-marxistas
e camaradas da classe dos vagabundos,
que passam o dia descansando e falando do proletariado,
Todos vocês, anarco-católicos da poesia,
Todos vocês, poetas Black Montaineers,
Todo vocês bucólicos de Bolinas e bem-pensantes de Boston,
Todos vocês, mães-reclusas da poesia,
Todos vocês, irmãos-zen da poesia,
Todos vocês amantes suicidas da poesia,
Todos vocês, cabeludos professores da poesia,
Todos vocês, resenhistas de poesia
sugadores do sangue do poeta,
Todos vocês, Polícia da Poesia –
Onde estão os filhos selvagens de Walt Whitman,
e as suas grandiosas vozes a se expressar
com doçura e toque sublime,
onde a grandiosa nova visão,
a ampla visão universal
a elevada canção profética
da imensa Terra
e tudo o que nela canta
E nossa relações com ela? -
Poetas, desçam
para as ruas do mundo outra vez
E abram suas olhos & mentes
com o antigo deleite visual,
Limpem suas goelas e elevem a voz,
A poesia está morta, vida longa à poesia
com seus olhos terríveis e a força de um búfalo.
Não esperem a Revolução
ou ela acontece sem vocês,
Parem de murmurar e falem alto
com uma nova e ampla poesia
com um nova sensualidade-comum uma superfície pública
com outros níveis subjetivos
ou outros níveis subversivos,
uma afinada pontada no fundo do ouvido
para soar sob a superfície.
Reconheçam-se em si mesmos um próprio e suave canto
porém cantem junto a palavra “massa” -
Poesia é o condutor
para levar o povo
aos lugares mais elevados
mais que qualquer outro possa conduzi-lo.
Que a poesia ainda precipite-se dos céus
E caia livre em nossas ruas.
Eles não ergueram barricadas, ainda,
as ruas permanece cheias de gente,
homens & mulheres amáveis ainda estão por ali,
adoráveis criaturas por todos os lugares,
e nos olhos de todos o segredo de tudo
ainda lá guardados,
os selvagens filhos de Whitman ainda dormem lá,
e caminharam livremente ao despertar.

......
Do livro “Who are we now”, de 1976. Há no Brasil um livro de Lawrence Ferlinghetti, “Vida sem fim – as minhas melhores poesias” – da extinta Editora Brasiliense. Segundo Nelson Ascher, a poesia de Ferlinghetti marca a luta contra qualquer poder ou instituição que ponha em risco a liberdade e a consciência. Discursiva, fala do apodrecimento do sonho americano e da solidão - e clama aos poetas, que saiam de sua torres e rodas restritas, buscando uma comunicação com as ruas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário