segunda-feira, 13 de abril de 2009

VIOLETA PARRA

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DOU GRAÇAS À VIDA

Dou graças à vida, que me tem dado tanto
Me deu dois olhos, que quando os levanto
Perfeitamente distingo o negro do branco
E entre todos, o homem que eu amo

Dou graças à vida, que me tem dado tanto
Me deu ouvido sensível e amplo
Que ouve, noite e dia, grilos e canários
Martírios, motores, latidos, jantares
E a voz tão terna do meu bem amado

Dou graças à vida, que me tem dado tanto
Meu deu os sons todos e o abecedário
com eles palavras, que penso e declamo:
Mãe, amigo, irmão e a sol iluminando
E o rumo d’ alma de quem estou amando

Dou graças à vida, que me tem dado tanto
Me deu a marcha para meus pés cansados
Com eles ando por cidades e charcos
Praias e desertos, montanhas e altiplanos
A casa aonde ele mora, sua rua e átrio

Dou graças à vida, que me tem dado tanto
Me deu um coração que se agita no peito
Quando vejo o que cria o cérebro humano
Quando vejo que o bem, o mal anula
Quando olho o fundo do teus olhos claros

Dou graças à vida, que me tem dado tanto
Me deu o sorriso e me deu o pranto
Se eu claro distingo amor e dano
Duas matérias que formam meu canto
O canto que é seu, que é meu próprio canto
O canto de todos é meu próprio canto

Gracias a la vida
Versão Célio Pires, direitos reservados

.......
Após um dramático final de um relacionamento amoroso, Violeta Parra suicidou-se em 5 de fevereiro de 1967, com 49 qanos, Dizem que se apaixonou por um jovem de dezessete anos, e até compôs outra música, Volver a los 17, como forma de expressar seu amor e sua vontade de voltar à idade de dezessete anos. O fracasso de um empreendimento e deste amor não correspondido a teriam levado ao suicídio.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

CONCEIÇÃO EVARISTO

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EU-MULHER

Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes - agora - o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.

.....
MENINA

Menina, eu queria te compor
Em verso,
Cantar os desconcertantes
Mistérios
Que brincam em ti,
Mas teus contornos me
Escapolem.
Menina, meu poema primeiro,
Cuida de mim.

Do livro “Poemas da Recordação e Outros Movimentos”

.....
RECORDAR É PRECISO

O mar vagueia onduloso sob os meus pensamentos.
A memória bravia lança o leme:
Recordar é preciso.
O movimento de vaivém nas águas-lembranças
dos meus marejados olhos transborda-me a vida,
salgando-me o rosto e o gosto. Sou eternamente náufraga.
Mas os fundos oceanos não me amedrontam nem me imobilizam.
Uma paixão profunda é a bóia que me emerge.
Sei que o mistério subsiste além das águas.

in Cadernos Negros – vol. 15

.....
TODAS AS MANHÃS

Todas as manhãs acoito sonhos
e acalento entre a unha e a carne
uma agudíssima dor.
Todas as manhãs tenho os punhos
sangrando e dormentes
tal é a minha lida
cavando, cavando torrões de terra,
até lá, onde os homens enterram
a esperança roubada de outros homens.
Todas as manhãs junto ao nascente dia
ouço a minha voz-banzo,
âncora dos navios de nossa memória.
E acredito, acredito sim
que os nossos sonhos protegidos
pelos lençóis da noite
ao se abrirem um a um
no varal de um novo tempo
escorrem as nossas lágrimas
fertilizando toda a terra
onde negras sementes resistem
reamanhecendo esperanças em nós.

in Cadernos Negros – vol. 21

.........
CONCEIÇÃO EVARISTO nasceu em Belo Horizonte/MG em 1946 e reside no Rio de Janeiro desde 1973. Formou-se em Letras (Português-Literaturas) pela UFRJ. Esteve como palestrante, em 1996, nas cidades de Viena e de Salzburgo/Áustria, falando sobre literatura afro-brasileira. Começou a trabalhar com 9 anos como empregada doméstica, foi para o RJ, onde foi lavadeira. È mestre em literatura pela PUC-RJ e faz doutorado em Literatura comparada na Universidade Federal Fluminense. Tem 63 anos (2008).

terça-feira, 11 de novembro de 2008

ROSEANA MURRAY

Receitas-poemas

Há certa semelhança nos formatos de uma receita e de um poema e nos dois casos as informações são precisas, diretas, sintetizadas... e contém ingredientes diversos que combinados resultam em algo de bom sabor, que deleita e sacia as vontades. Roseana Murray explora essas coincidências na série de poemas Receitas de Olhar – na realidade um livro voltado para o público juvenil, mas que atinge a todos.

a chave é pequena
de ouro e coragem
o coração é labirinto viagem
muralha abismo trapézio
porta aberta par o outro
gaveta aberta para a vida


(Receita de abrir o coração)

...
As suas poesias-receitas não enfatizam as medidas da receita mas o modo de fazer. Ensinam a tocar o outro, abrir o coração e desamarrar os nós nas relações.


desamarre os nós do sapato
depois desamarre os pés
desamarre os laços inúteis
os nós do que não serve mais
desamarre o barco do cais
os nós das janelas
e então deixo o vento....


(Receita de desamarrar nós)

...
As poesias-receitas de Roseana Murray valorizam o tempero, o detalhe, a simplicidade e prevêem o improviso:

faça um careta
e mande a tristeza
pra longe pro outro lado
do mar ou da lua

vá para o meio da rua
e plante bananeira
faça alguma besteira

depois estique os braços
apanhe a primeira estrela
e procure o melhor amigo
para um longo e apertado abraço

(Receita de espantar a tristeza)

...
Segundo a ilustradora Elvira Vigna, as “receitas” de Roseana Murray deixam espaço para que o leitor igualmente possa colocar ou descobrir coisas dentro delas.

nas primeiras horas da manhã
desamarre o olhar
deixe que se derrame
sobre todas as coisas belas
o mundo é sempre novo
e a terra dança e acorda
em acordes de sol

faça do seu olhar imensa caravela
(Receita de olhar)

...
Roseana Murray nasceu no Rio de Janeiro, onde vive até hoje. É casada, tem dois filhos e mais de quarenta livros publicados. Roseana gosta de animais e de viajar pelo mundo, olhando as coisas e as pessoas. Além de escrever poemas para gente de todas as idades, ela visita feiras de livros e escolas, onde trabalha junto com professores e alunos. Suas poesias falam de coisas simples como amor, peixes e flores*.

Se pudéssemos plantar palavras,
como se planta uma árvore,
tantos frutos invisíveis
contido sem seu silêncio,
tanta sombra ao meio-dia
em seu futuro,
palavras simples e quentes,
amor, pão, mel, encontro,
as sementes seriam aladas,
e o vento varreria o jardim,
então, pouco a pouco,
atravessando montanhas,
mares, cidades,
a paz cobriria o mundo


(Árvores in Rios da alegria)

...
Segundo Annete Baldi, Roseana Murray não enfatiza a sonoridade, pois observa-se que muitos de seus poemas têm versos livres e há despreocupação com a rima. A ênfase da sua carpintaria poética está no significado: encontra-se nas comparações e nas oposições de sentidos que usa em abundância. E o resultado é a mobilização do leitor, da sua sensibilidade, pela força das imagens sensoriais que surgem através da leitura.

Texto de Raul Los Dias in http://recantodasletras.uol.com.br/resenhasdelivros/393809
...

Leia mais sobre Roseana Murray: http://www.docedeletra.com.br
*Outra referência deste texto: http://www.edukbr.com.br/leituraeescrita/setembro02/iautores.asp

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

CLARICE LISPECTOR

As poesias que Clarice Lispector não escreveu
.....

Poesia garimpada na prosa
Clarice Lispector nasce em Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro, durante a viagem de emigração da sua família em direção à América. Passa antes por Bucareste e Hamburgo, de onde parte para o Brasil. Em Recife, Pernambuco, sua mãe adoece, fica paralítica e depois falece - Clarice tinha 9 anos de idade. A sua família vai para o Rio de Janeiro, onde ela estuda e forma-se em Direito; passa a fazer traduções; publica contos e trabalha também como jornalista. Em 1942, Começa a namorar com Maury Gurgel Valente, colega de faculdade, casa-se um ano depois, com 23 anos de idade.

Ela não escrevia poesia
Seus romances e contos são impregnados de poesia e um deles, de 1973, “Água viva”, não cabe nas definições de gêneros. Sobre este livro, o jornalista Alberto Dines, em carta à escritora, diz que ele “é menos um livro-carta e, muito mais, um livro música. Acho que você escreveu uma sinfonia".
De “Água viva” foram selecionados trechos de textos diversos, formatados aqui como poesia, pois são, de fato, poesia – onde Clarice Lispector revela particularidades do seu processo de criação e a necessidade vital que lhe era escrever. Certa feita ao responder à pergunta sobre porque escrevia, disse: “Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva".

...
FIZ A CENA NASCER

É tão curioso ter substituído
as tintas por essa coisa estranha que é a palavra.
Palavras – movo-me com cuidado entre elas
que podem se tornar ameaçadoras;
posso ter a liberdade de escrever o seguinte: “peregrinos, mercadores e pastores guiam suas caravanas rumo ao Tibet e os caminhos eram difíceis e primitivos”.

Com essa frase fiz uma cena nascer, como num flash fotográfico.

...
VOU

Não gosto do que acabo de escrever –
mas sou obrigada a aceitar o trecho todo
porque me aconteceu.
E respeito muito o que me aconteceu.
E respeito muito o que me aconteço.
Minha essência é inconsistente de si própria
E é por isso que cegamente obedeço.

Estou antimelódica.
Comprazo-me com harmonia difícil dos ásperos contrários.
Para onde vou?
E a resposta é: vou.



O instante
Clarice Lispector reconhece que o escritor, às vezes, se sente impotente diante da realidade. Diz: "Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...". Nesse sentido Clarice busca desvendar a si própria, ao mesmo tempo em que vai também desvendando cada momento. Vai em direção ao cerne das coisas e busca arrancar dali a palavra exata:

...
O É DA COISA

Tenho um pouco de medo:
medo de ainda me entregar
pois o próximo instante é o desconhecido.
O próximo instante é feito por mim?
Ou se faz sozinho?
Fazemo-lo juntos com a respiração.
E com desenvoltura de um touro na arena.

Eu te digo:
estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já
que de tão fugidio não é mais
porque agora tornou-se um novo instante-já
que também não é mais.
Cada coisa tem um instante em que ela é.
Quero apossar-me do é da coisa



Dividida

Clarice Lispector foi com o marido para Nápoles, em plena Segunda Guerra Mundial, mas fica dividida entre a obrigação de acompanhar o marido e ter de deixar a família e os amigos. Quando chega à Itália, depois de um mês de viagem, escreve: "Na verdade não sei escrever cartas sobre viagens, na verdade nem mesmo sei viajar". Na seqüência termina seu segundo romance, “O lustre” e recebe o prêmio Graça Aranha com “Perto do coração selvagem”, considerado o melhor romance de 1943.
Em 1959 separa-se do marido e regressa ao Brasil com seus filhos, onde dedica-se intensamente à vida literária. Em 1969 publica seu "Hino ao amor" e ganha o prêmio "Golfinho de Ouro"; em 1970 começa a escrever “Água viva”, terminado em 1973. Nele busca definições inusitadas: a escritora quer se apossar do instante, explicá-lo, revelar o seu mistério.

...
O PRESENTE É O INSTANTE

O presente é o instante
em que a roda do automóvel
em alta velocidade
toca minimamente no chão.
E a parte da roda que ainda não tocou,
tocará num imediato
que absorve o instante presente
e torna-o passado.

Eu, viva e tremeluzente como os instantes,
acendo-me e me apago,
acendo e apago,
acendo e apago.
Só que aquilo que capto em mim tem,
quando está sendo transposto em escrita,
o desespero das palavras ocuparem mais instantes que um relance de olhar.
Mais que um instante, quero o seu fluxo.


...
EXISTO SEM GARANTIAS

Perco a identidade do mundo em mim
e existo sem garantias.
Realizo o realizável
mas o irrealizável eu vivo
e o significado de mim
e do mundo e de ti não é evidente.
É fantástico,
e lido comigo nesses momentos com imensa delicadeza


...
MISTÉRIO

E eu trabalho quando durmo:
porque é então que me movo no mistério


...
SOLIDÃO

E ninguém é eu.
Ninguém é você.
Esta é a solidão.


...
NÃO RESUMO

Não me posso resumir
porque não se pode somar
uma cadeira e duas maças.
Eu sou uma cadeira e duas maças.
E não me somo.



Em trechos de “Água viva” revela-se contida, entre o seu mundo interno (a loucura que seus escritos a levam) e a vida cotidiana.

...
O ERRADO ME ATRAÍ

Aí posso pintar a essência de um guarda-roupa.
A essência que nunca é cantabile.
Mas quero ter a liberdade de dizer coisas sem nexo
como profunda forma de te atingir.
Só o errado me atraí,
e amo o pecado,
e a flor do pecado.

Mas como fazer se não te enterneces com meus defeitos,
enquanto eu amei os teus.
Minha candidez foi por ti pisada.
Não me amaste,
Disto eu sei.
Estive só.
Só de ti.
Escrevo para ninguém
e está-se fazendo um improviso que não existe.
Descolei-me de mim.

E quero a desarticulação,
só assim sou eu no mundo.
Só assim me sinto bem.


...
CONTENÇÃO

Não, nunca fui moderna.
E acontece o seguinte:
quando estranho uma pintura e aí que é pintura.
E quando estranho a palavra aí é que ela alcança sentido.
E quando estranho a vida aí é que começa a vida.
Tomo conta para que não me ultrapassar.
Há nisto tudo aqui grande contenção.
E então fico triste só para descansar.
Chego a chorar manso de tristeza.
Depois levanto e de novo recomeço.


Acidente
Segundo Arnaldo Nogueria Jr. - "em 1966, na madrugada de 14 de setembro, a escritora dorme com um cigarro aceso, provocando um incêndio. Seu quarto ficou totalmente destruído. Com inúmeras queimaduras pelo corpo, passou três dias sob o risco de morte — e dois meses hospitalizada. Quase tem sua mão direita amputada pelos médicos. O acidente mudaria em definitivo a vida de Clarice. As inúmeras e profundas cicatrizes fazem com que a escritora caia em depressão".
Mas segue, publicando novos romances até que falece em 9 de dezembro de 1977, um dia antes do seu 57° aniversário, vitimada por uma súbita obstrução intestinal. O enterro acontece no Cemitério Comunal Israelita.


PESQUISA
A captação da poesia implícita de Clarice Lispector (feita aqui em seu livro “Água viva”) foi realizada também em outros romances da autora por admiradores seus - que formataram como poemas alguns de seus textos, entre os que fizeram isto estão o padre Antonio Damázio e Soares Feitosa, ver site: http://www.revista.agulha.nom.br/cli.html
A pesquisa sobre a sua vida baseou-se em © Projeto Releituras, de Arnaldo Nogueira Jr
http://www.releituras.com/clispector_bio.asp

quarta-feira, 27 de junho de 2007

ORÍDES FONTELA

MIGRAÇÃO

Do Leste vieram pássaros
rápidos leves
nem sombra nem rastro
deixam:
apenas passam. Não pousam.


SILÊNCIO
Grandes árvores
ânforas
transbordantes de silêncio


SEDE (IV)
Bendita a sede
por arrancar nosso olhos
da pedra

Bendita a sede
por ensinar-nos a pureza
das águas

Bendita a sede
por congregar-nos em torno
da fonte


NOTÍCIA

Não mais sabem do barco
mas há sempre um náufrago:
um que sobrevive
ao barco e a si mesmo
para talhar na rocha
a solidão

Orides Fontela, “Poesia Reunida” (1969/1996), editoras: Cosac Naify www.cosacnaify.com.br e 7letras www.7letras.com.br

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terça-feira, 26 de junho de 2007

LAWRENCE FERLINGHETTI

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MANIFESTO POPULISTA

Poetas, saiam de seus aposentos,
Abram suas janelas, abram suas portas,
Vocês já ficaram muito tempo no fundo
de seus mundos fechados.
Venham, desçam daí, do alto
de suas Russians Hills e Telegraph Hills,
Beacon Hills e Chapel Hills,
Monte Analogues e Monteparnassses,
desçam de suas montanhas e contrafortes,
fora de suas cúpulas e domínios.
As árvores continuam a tombar
e nós não voltaremos às florestas.
Não há tempo mais de se embrenhar nelas
quando o homem queima sua própria casa
para assar um porco
Chega de cantar Hare Khrishna
enquanto Roma queima.
San Francisco está ardendo,
e Moscou de Maiakovski está queimando
os combustíveis fósseis milenares.
A Noite & o Cavalo aproximam-se
devorando luz, calor & poder,
e as nuvens vestem calças.
Não há tempo para o artista se esconder
acima, além, e atrás dos cenários,
indiferente, aparando suas unhas,
refinando-se sozinho sobre o seu próprio existir.
Não há tempo para os nossos joguinhos literários,
não há tempo para nossas paranóias & hipocondrias,
não há tempo para medo e náusea,
há tempo somente para luz & amor.
Nós vimos as melhores mentes de nossa geração
destruídas pelo tédio dos recitais poéticos.
A poesia não é uma sociedade secreta,
muito menos um templo.
Palavras secretas & cânticos não servem mais.
A hora dos mantras já passou,
o tempo agora é de entusiasmo,
um tempo para entusiasmo e alegria
sobre o advento final
da civilização industrial
que é péssima para a Terra e para o homem.
É hora enfrentar a rua
na plena posição de lótus
de olhos bem abertos,
É hora falar alto
proferir um novo e claro discurso,
É hora de comunicar-se com todos os seres sensíveis,
Todos vocês, ‘Poetas das Cidades’
Expostos em museus, incluindo a mim mesmo,
Todos vocês, poetas de poetas escrevendo poesia
sobre poesia,
Todos vocês, poetas de panelas literárias
dos confins do coração da América
Todos vocês, domesticados Ezra Pounds
Todos vocês, alucinados, estranhos e incomuns poetas,
Todos vocês, poetas do concreto-armado,
Todos vocês poetas lambe-cus,
Todos vocês poetas de banheiros públicos, gemendo graffiti,
Todos vocês, viajantes de trens classe A, que nunca gingam
fora do balanço,
Todos vocês, mestres do haikai de serraria nas Sibérias da América,
Todos vocês, fantasiosos sem visão,
Todos vocês, surrealistas ocultos,
Todos vocês, visionários de alcova e agito-propagandistas
de gabinete,
Todos vocês, poetas Groucho-marxistas
e camaradas da classe dos vagabundos,
que passam o dia descansando e falando do proletariado,
Todos vocês, anarco-católicos da poesia,
Todos vocês, poetas Black Montaineers,
Todo vocês bucólicos de Bolinas e bem-pensantes de Boston,
Todos vocês, mães-reclusas da poesia,
Todos vocês, irmãos-zen da poesia,
Todos vocês amantes suicidas da poesia,
Todos vocês, cabeludos professores da poesia,
Todos vocês, resenhistas de poesia
sugadores do sangue do poeta,
Todos vocês, Polícia da Poesia –
Onde estão os filhos selvagens de Walt Whitman,
e as suas grandiosas vozes a se expressar
com doçura e toque sublime,
onde a grandiosa nova visão,
a ampla visão universal
a elevada canção profética
da imensa Terra
e tudo o que nela canta
E nossa relações com ela? -
Poetas, desçam
para as ruas do mundo outra vez
E abram suas olhos & mentes
com o antigo deleite visual,
Limpem suas goelas e elevem a voz,
A poesia está morta, vida longa à poesia
com seus olhos terríveis e a força de um búfalo.
Não esperem a Revolução
ou ela acontece sem vocês,
Parem de murmurar e falem alto
com uma nova e ampla poesia
com um nova sensualidade-comum uma superfície pública
com outros níveis subjetivos
ou outros níveis subversivos,
uma afinada pontada no fundo do ouvido
para soar sob a superfície.
Reconheçam-se em si mesmos um próprio e suave canto
porém cantem junto a palavra “massa” -
Poesia é o condutor
para levar o povo
aos lugares mais elevados
mais que qualquer outro possa conduzi-lo.
Que a poesia ainda precipite-se dos céus
E caia livre em nossas ruas.
Eles não ergueram barricadas, ainda,
as ruas permanece cheias de gente,
homens & mulheres amáveis ainda estão por ali,
adoráveis criaturas por todos os lugares,
e nos olhos de todos o segredo de tudo
ainda lá guardados,
os selvagens filhos de Whitman ainda dormem lá,
e caminharam livremente ao despertar.

......
Do livro “Who are we now”, de 1976. Há no Brasil um livro de Lawrence Ferlinghetti, “Vida sem fim – as minhas melhores poesias” – da extinta Editora Brasiliense. Segundo Nelson Ascher, a poesia de Ferlinghetti marca a luta contra qualquer poder ou instituição que ponha em risco a liberdade e a consciência. Discursiva, fala do apodrecimento do sonho americano e da solidão - e clama aos poetas, que saiam de sua torres e rodas restritas, buscando uma comunicação com as ruas.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

ISADORA DUCAN

UM POEMA

Nietzsche assinou seu
último telegrama “Dionísio crucificado!”
Talvez eu seja a madona que sobe o calvário dançando.
Oh Dionísio, Porte-Flambeau
Ilumine-me o caminho em chamas

...
NUA DIANTE DO MAR

Na infância,
não tive brinquedo ou brincadeiras de criança.
Muitas vezes fugia sozinha para as florestas
ou à praia junto do mar,
e lá dançava.
Sentia que meus sapatos e roupas apenas estorvavam.
Meus sapatos pesados eram como correntes;
minhas roupas eram minha prisão.
Por isso, eu tirava tudo.
E sem olhos me espiando,
inteiramente só,
eu dançava nua diante do mar.
E parecia-me que o mar e todas as árvores
dançavam comigo.

...
POR UM PEDAÇO DE PÃO

Por necessidade,
eu, uma menininha de quatro anos,
fui forçada a dançar diante do público.
Por isso não gosto que crianças dancem diante do público
por dinheiro,
porque eu própria sei o que significa
dançar em troca de um pedaço de pão.

...
RODEADA DE CHAMAS

Os deuses vendem caro seus dons.
A cada alegria corresponde a uma agonia.
Por aquilo que concedem em fama, fortuna, amor,
extraem em sangue e lágrimas,
e profunda tristeza.
Estou continuamente rodeada de chamas.

...
PRINCÍPIOS ESTREITOS DE UM TEMPO

Naquele tempo minha mãe era jovem e linda,
mas, amaldiçoada com os estreitos princípios burgueses,
não sabia usar sua juventude e beleza
nem sua indomável inteligência força.
Estava na prisão daqueles tempos
antes da Emancipação das Mulheres.
Sentimental e virtuosa,
só sabia sofrer e chorar.


SÓ QUERIAM O CORPO

Isso que a humanidade chama de amor
é apenas outra forma de ódio.
Na carne não existe amor.
Tive tanto quanto qualquer pessoa dessa coisa que os homens se atrevem a chamar amor –
homens espumando pela boca -,
homens chorando que iam se matar
se eu não retribuísse o seu amor:
amor – podridão!
.
Eu era assediada de todos os lados
por todos tipos de homens.
O que ele queriam?
Suas emoções,
sei disso agora,
eram as mesmas que sentem por uma garrafa de uísque.
Eles dizem à garrafa:
“Estou com sede. Quero você.
Quero esvaziá-la.
Quero possuir você inteira.”
E para mim diziam as mesmas coisas:
“Tenho fome. Quero você.
Quero possuir seu corpo e sua alma”,
Ah, eles acrescentara a alma,
Tudo bem,
Quando queria era o corpo!

...
AMOR À HUMANIDADE
Amor é coisa rara do mundo.
Até amor materno é em grande parte egoísta.
Um gata ama seus gatinhos até certa idade.
Pessoas falam de amor materno como a coisa mais sagrada do mundo –
Ora, é apenas como amar seus braços e pernas,
é simplesmente amar uma parte de sai mesma.
Esse não era o amor que eu queria.
Eu queria um amor puro e altruísta,
o amor pela humanidade,
sentido por Cristo, Buda e Lenin

...
DEUSES INVENTADOS

Pessoas inventam deuses para agradarem a si mesmos.
Não existem outros.
Nada existe além do que conhecemos, inventamos
ou imaginamos.
Todo o inferno
está bem aqui na Terra.
E todo o paraíso.


..............
Os presentes textos não foram escritos como poema (exceto “Um poema”), foram extraídos dos seus livros My Life e The Art of Dance, condensados e editados aqui pela L&PM Pocket no livro “Isadora – Fragmentos Autobiográficos” - tradução de Lya Luft - e formatados como poemas por Célio Pires.